Jaguarão: Uma Cidade Negra

Caiuá Cardoso Al-Alam
A cidade de Jaguarão, foi uma cidade negra e africana durante o século XIX. A antiga Guarda do Serrito surge da demanda de ocupação do projeto lusitano nas Américas. A partir de 1790, com as doações de sesmarias, a região passa a ser ocupada para criação de rebanhos. O acampamento militar que originou o território, se deu em 1802. A demarcação da fronteira, e a lógica de ocupação colonial, foi fundamentalmente realizada com base no sistema da escravidão. A usurpação da mão-de-obra compulsória está intimamente ligada à política fronteiriça colonial e também à estratégia de ocupação do lugar. Desde este princípio, africanos/as escravizados/as, foram trazidos/as para Jaguarão. Com a expansão da produção agrícola e criação de gado vacum, o número de pessoas escravizadas na localidade foi aumentando. Posteriormente, Jaguarão foi espaço intenso da produção saladeiril, com a constituição de charqueadas, que abasteciam o mercado local e regional. Ainda, foi espaço atrativo para práticas de comércio e contrabando, todas também assentadas no trabalho escravizado.
O tráfico transatlântico de africanos/as escravizados/as, tinha íntima relação com o porto de Jaguarão. Se realiza-va na região a chamada “terceira perna” do tráfico, escoando para esta localidade africanos e africanas recém-chegados nos portos de Rio de Janeiro e também Salvador, que vinham ser comercializados. O tráfico transatlântico para a região de Jaguarão era miúdo, feito junto com outros produtos, sem grandes especialistas no processo, mas intenso. A posse de escravizados/as era miúda também, pulverizada na região. Haviam grande proprietários de escravizados, como o estancieiro Manoel Amaro da Silveira com 57 trabalhadores/as escravizados/as, mas eram exceção a uma realidade que era de posse de pequenos proprietários, sendo na primeira metade do século XIX mais de 70% destes/as com 1 a 9 escravizados/as.
A região contou com grande número de escravizados/as e africanos/as. No primeiro cen-so da Câmara Municipal, em 1833, chamado de Mapa Geral, haviam 5.457 habitantes, sendo 2.601 tidos como negros, e destas pessoas 70 eram livres. Em 1859, o índice de escravizados/as na cidade, que era de 5.059, só ficava inferior na província ao de Porto Alegre. Em números percentuais, relacionado ao número de pessoas ao todo da população, Jaguarão ficava com 28% de pessoas escravizadas, sendo o maior número na província, inclusive em relação a Pelotas, o principal pólo charqueador. No primeiro censo nacional em 1872, registrou-se 3.248 escravizados/as, mas os dados mais confiáveis foram gerados um ano depois, com a obrigatoriedade da matrícula de escravizados com a lei do Ventre Livre, senhores realizaram declaração de forma mais contundente, registrando em 1873 o número de 4.592 pessoas escravizadas. Um número considerável de pessoas que viviam na condição da escravidão.
Importante considerar que a experiência da comunidade negra em Jaguarão e nas Amé-ricas não se deu apenas na escravidão. Muitos homens e mulheres já haviam conquistado suas cartas de alforrias e experienciavam suas vidas em liberdade, o que denota experiências negras mais complexas do que as que veiculam apenas aos grilhões. A marcada presença africana na cidade, legou a cidade uma numerosa população negra, que depois ficou responsável por criar diferentes instituições, como clubes, sociedades, um forte associativismo, que marcaram as lutas contra o racismo e por cidadania do povo negro em Jaguarão. Ainda, realizou íntima relação com comunidades negras do outro lado da fronteira, do Uruguai, articulando práticas de ajuda mútua, de acolhimento para fugas da escravidão, de trocas e parcerias entre associações negras interfronteiras e compartilhando relações familiares. Uma experiência histórica riquíssima, complexa e atlântica.
Referências
FARIAS, Juliana Barreto; GOMES, Flávio dos Santos; SOARES, Carlos Eugênio Líbano; MOREIRA, Carlos Eduardo de Araújo. Cidades Negras: Africanos, crioulos e espaços urbanos no Brasil escravista do século XIX. São Paulo: Alameda, 2006.
GULARTE, Gustavo da Silva. Formação da Fronteira de Jaguarão, 1801-1835: estrutura agrária e trabalho escravo. 2015. Porto Alegre: UFRGS, Alegre, 2015. (Dissertação de Mestrado)
MATTOS, Hebe; ABREU, Martha; GURAN, Milton (Orgs.). Inventário dos lugares de memória do tráfico atlântico de escravos e da história dos africanos escravizados no Brasil. Niterói: PPGH-UFF, 2014. p.18-19.

