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Cerro da Pólvora e Bairro Kennedy

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Caiuá Cardoso Al-Alam

         O nome Cerro da Pólvora remete aos tempos em que havia no local a Pedreira Municipal, espaço que usufruía dos diques de basalto que caracterizam a natureza do lugar. Além da Pedreira administrada pelo município, havia a mineração por particulares que tinham as autorizações para extração distribuídas pela prefeitura. Alguns moradores das redondezas, inclusive crianças e mulheres, quebravam basalto a mão com marretas e martelos, a fim de venderem para empresas que utilizavam nas obras e construções na cidade, gerando mínima renda para estas famílias que labutavam duramente neste tipo de trabalho. Ainda hoje restam algumas pessoas que realizam a extração manualmente e que podem ser vistas no local. O trabalho era árduo e perigoso, já que muitas explosões ocorriam no local, inclusive ameaçando moradores/as das redondezas. Em torno da Pedreira, haviam muitas moradias, algumas como resultado das ocupações e outras incentivadas pelo poder público. Segundo relatos em pesquisas, a população do lugar era composta por moradores/as advindos da zona rural e cidades vizinhas, caracterizando-se principalmente a ocupação daquele território por famílias negras. Muitas destas famílias viviam uma realidade muito dura, com a permanente falta de estrutura, como acesso a água, luz, esgoto, que teriam chegado no local apenas no início da década de 1980. Houveram muitas ações assistenciais das comunidades e lideranças das Igrejas Católica e Anglicana, que realizavam campanhas de alimentação, de doação de roupas e outros auxílios. As religiões de matriz africana também tiveram importante influência no local, tanto com ações assistenciais quanto também com terreiros naquele espaço. A localidade da Pedreira, no mundo afro religioso, é remetida a forte presença de Xangô, vinculado ao poder, a força, a justiça. A Igreja Católica também marcou território no campo simbólico, com a construção do monumento ao Cristo, inaugurado em 1961.

           No Cerro da Pólvora, também se faz presente outra importante referência que é a Enfermaria Militar. Construída no século XIX e inaugurada em 1883, foi utilizada como espaço hospitalar, de aquartelamento e também, como espaço de presos políticos durante a ditadura civil-militar. No fim da década de 1970, o prédio começou a ser desativado e anos depois fechado. Hoje o prédio é tombado, e ainda espera a finalização da sua restauração, que segundo projeto original, deverá abrigar o Centro de Interpretação do Pampa, vinculado à Unipampa.

          Em 1964, o a ditadura civil-militar implementou o Banco Nacional de Habitação (BNH) para financiar uma política  de construção de moradias via os usos do FGTS. Os projetos, enquanto política, respondiam ao desencadeamento de incentivo a especulação fundiária e de afastamento dos grupos populares, dentre eles fundamentalmente as famílias negras, de regiões melhor valorizadas, para as periferias das cidades. Ainda assim, algumas famílias acabaram fazendo usos importantes. Primeiramente, em 1967, a Prefeitura em parceria com a ditadura, entregou casas para oito famílias alojadas no Cerro da Pólvora, numa continuidade da Rua Julio de Castilhos. Posteriormente, no mesmo ano, mais 35 residências foram vendidas a preços baixos num projeto conhecido como COHAB (Companhia de Habitação), focadas em famílias que não necessariamente eram do Cerro da Pólvora, mas que tinham acesso a serviço assalariado e, portanto, condições mínimas para pagamento. Formava-se assim o atual Bairro Kennedy.

          Se por um lado, famílias tiveram acesso a um pouco de estrutura e melhores condições de vida, outras denunciaram a situação por terem sido removidas a contra vontade das suas antigas habitações no Cerro da Pólvora, e levadas ao Bairro Kennedy. Ainda, existem relatos de precariedade, de autoritarismo, de falta de cumprimento de promessas, e principalmente, queixas sobre serem alvo de preconceitos de setores da sociedade jaguarense. A organização comunitária foi uma marca nas duas localidades, tendo algumas associações de moradores sido estabelecidas nas décadas que se seguiram, deixando marcas em conquistas estruturais presentes até hoje. Atualmente, tanto o Cerro da Pólvora como o Bairro Kennedy, ainda carecem de melhor investimento dos poderes públicos, e ainda contam com muitas famílias negras compondo sua população. Territórios negros da periferia da cidade, importantes para refletirmos a respeito das políticas de planejamento urbano, ou a falta delas, sobre a luta contra estigmas preconceituosos relacionados aos moradores da região, mas também os processos de resistência vinculados às pautas de luta por cidadania, como o direito à moradia.

Referências

CORRÊA, Nelson Luís. Experiências e sensações: um estudo de caso em um terreiro de Candomblé Angola na cidade de Jaguarão. Jaguarão: Universidade Federal do Pampa, 2017. (Trabalho de Conclusão de Curso).

GONÇALVES, Darlise Gonçalves de. Travessia: o protagonismo da fronteiriça Jaguarão na rota dos passageiros da liberdade durante a Ditadura Civil-militar brasileira (1964-1973). Jaguarão: Universidade Federal do Pampa, 2018. (Trabalho de Conclusão de Curso).

ROSA, Alzemiro Gonçalves da. A voz popular: o Cerro da Pólvora nas décadas de 1960- 1970 em Jaguarão-RS. Jaguarão: Universidade Federal do Pampa, 2015. (Trabalho de Conclusão de Curso)

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