Igreja Matriz do Divino Espírito Santo

Anderson Machado
A Freguesia Divino Espírito Santo foi estabelecida em 31 de janeiro de 1812, fazendo com que Jaguarão passasse a contar com a presença de um pároco. Já a Igreja Matriz do Espírito Santo começou a ser construída no ano de 1847, sendo finalizada em torno de 1875. O prédio foi sede de diferentes irmandades religiosas, que garantiam práticas ritualísticas importantes como batismos, sepultamentos, mas também práticas de caridade, sendo elos fundamentais para os diferentes estratos sociais de núcleos de famílias.
Desde o período colonial, a população negra enfrentava grandes dificuldades de praticar o catolicismo, pois sua presença era negada dentro de espaços das igrejas pelos seus senhores. Mesmo assim, a partir de estratégias de negociação e da organização de coletivos de ajuda mútua, as famílias negras constituíram tradição na mediação com o mundo sagrado cristão. Destes processos, surgiram as irmandades negras católicas, como a Nossa Senhora do Rosário, onde além da função de abrigar a sua religiosidade, era também um espaço de sociabilidade e resistência do povo negro. Havia também a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição que congregava famílias brancas e negras.
A morte era um momento que exigia uma grande necessidade de uma ritualização para a população, e a criação de sociedades onde o pano de fundo era zelar para que a população negra pudesse ter os seus direitos de ter um funeral digno, seguindo esta premissa passava então a demonstrar aos seus senhores que eles também faziam parte da sociedade e que poderiam ser organizados socialmente.
Em Jaguarão, a Irmandade Nossa Senhora do Rosário foi fundada no dia 17 de maio de 1860, pelo padre Joaquim Lopes Rodrigues, que era devoto de nossa senhora e havia chegado da Bahia um ano antes. Trouxe provavelmente a experiência da organização das comunidades negras junto a Igreja, o que é mais uma evidência das experiências históricas conectadas no Atlântico. A Irmandade foi extinta oitenta anos depois. Dentre os fundadores da Irmandade, constam escravizados e libertos, o que evidencia a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário como um importante espaço do associativismo negro. Além desta Irmandade, houve em Jaguarão a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, que também congregava a comunidade negra local, mas também mesclava a participação com a comunidade branca. Estas duas irmandades foram espaços importantes da organização comunitária do povo negro local.
As irmandades, como a do Rosário, foram importantes espaços para o fortalecimento de laços das comunidades e serviram para garantir ajuda mútua entre seus membros estratégias que também foram utilizadas para garantir a compra das cartas de alforrias de seus/suas membros e pessoas das famílias durante a escravidão. Esta organização comunitária foi fundamental para a tradição da mobilização da comunidade negra local, assim como em outras localidades nas Américas. Em Jaguarão, o primeiro clube social negro surgido, que foi o Clube 24 de Agosto em 1918, tinha diferentes membros de suas direções compondo os espaços diretivos da Irmandade Nossa Senhora do Rosário, talvez o principal nome sendo o de Theodoro Rodrigues. Esta liderança negra da cidade, além de fazer parte do núcleo fundador do Clube 24 de Agosto, foi membro do Rosário e também participou da Sociedade Operária Jaguarense, outra entidade católica. Esta tradição de organização do associativismo negro na cidade, via o catolicismo, foi fundamental para as lutas por cidade das famílias negra do local, o que não inviabilizou que estas mesmas pessoas também continuassem praticando a celebração dos/as orixás, mediando as diferentes cosmos visões.
Demonstrar a presença de sociedades católicas contribui para a desmistificação de que a população negra era pertencente a uma religião específica de culto afro-brasileiras (Batuque, Umbanda e Candomblé), e exibir que estas pessoas transitavam em outros espaços religiosos, principalmente manejando relações sociais que pudessem qualificar suas vidas.
Referências
GRIGIO, Ênio. “No alvoroço da festa, não havia corrente de ferro que os prendesse, nem chibata que os intimidasse” : a comunidade negra e sua Irmandade do Rosário (Santa Maria, 1873-1942). São Leopoldo/RS: UNISINOS, 2016 (Tese de Doutorado).
MOREIRA, Paulo Roberto Staud. Uma Parda Infância: Nascimento, primeira letras e outras vivências de uma criança negra numa vila fronteiriça (Aurélio Veríssimo de Bittencourt/Jaguarão Século XIX). In: 4º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, 2009, Curitiba/Paraná. 4º Encontro e Liberdade no Brasil Meridional, 2009.
MULLER, Liane. As contas do meu rosário são balas de artilharia. Porto Alegre: Pragmatha, 2013.