Praça do Desembarque ou Praça das Figueiras

Bruna Teles Mena
Vinicius Costa Franco
No dia 6 de julho de 1832, Jaguarão foi fundada como Vila, a partir de uma proposta do Conselho Geral da Provín-cia de São Pedro do Rio Grande do Sul. Anterior a isso, a localidade era uma Freguesia (fundada em 1812), onde havia uma ocupação militar estratégica para a colônia e posteriormente para o Império Brasileiro, vinculado a um projeto de expansão do território português, local que esteve em constante disputa com o Império Espanhol.
É neste contexto que a Praça do Desembarque se coloca como um local importante para o desenvolvimento desta localidade. Desde seus primórdios, com a proximidade ao rio Jaguarão como principal porta de entrada fluvial na região, se deu como um espaço tradicional de comércio, principal local de chegada e ponto de venda dos/as escravizados/as, além de sua função militar. O próprio nome, Praça do Desembarque, era uma referência à atividade comercial, que ocorria desde os primeiros momentos do povoado, junto a guarda militar chegavam pequenos comerciantes que aproveitavam das vantagens da localização fronteiriça e também era uma região marcada pela prática do contrabando. Assim este território se coloca como um importante local de início e desenvolvimento de Jaguarão, intimamente ligada ao rio, fluindo uma significativa atividade comercial.
Logo após a efetivação da localidade como Vila, mais precisamente em 17 de julho de 1833, se efetuou um censo local, a pedido da Presidência da Província, que resultou em uma população estimada em 5.457 indivíduos, divididos em 2.856 brancos e 2.601 negros (desses somente 70 libertos). Esta parte da estatística já nos mostra que havia uma forte presença da população negra, principalmente escravizada, mesmo antes da elevação para Vila, que por conta dos conflitos com o Uruguai a localidade foi bastante povoada e resultando na sua elevação. Esses números constatam uma forte ligação de Jaguarão com o comércio atlântico de escravizados e justamente por sua posição privilegiada junto ao Rio Jaguarão, a Praça do Desembarque além de ser a porta de entrada, foi também de distribuição às freguesias próximas (como Arroio Grande e Herval). Mas o porto também comercializava para outras províncias do território brasileiro, indo além do comércio de cativos, se destacando principalmente na exportação do charque e seus derivados, e da pecuária, produtos característicos da região. Era um espaço de partidas e chegadas de pessoas via os vapores que faziam diferentes destinos, como Santa Vitória do Palmar, Pelotas, Rio Grande. Como parte inicial da cidade na perspectiva da consolidação da malha urbana, ficou conhecida esta zona como cidade baixa, devido o desnível do terreno da cidade.
Hoje, a Praça do Desembarque é também conhecida como Praça das Figueiras, que re-mete às árvores da praça, e este nome nos mostra dois aspectos deste território: a relação da cidade com a memória da escravidão e a influência do mundo mágico religioso da população negra de Jaguarão. Com isso, o conjunto de figueiras na praça remete às ressignificações da cultura e memória dos/as africanos/as que forçadamente desembarcaram ali. No imaginário popular jaguarense, os ganchos de ferro que se encontram cravados nas figueiras do lugar, remete aos suplícios sobre a população negra escravizada, que ali ficariam amarrados para serem vendidos.
Mas para além desta memória, há a ressignificação por parte da comunidade negra jaguarense, tornando-a uma forma simbólica de árvores sagradas, assim como os baobás em território africano, mostrando a importância das religiões de matriz africana na formação da cultura do Pampa Gaúcho. Hoje aos pés desta árvore, na Praça, se encontram muitas oferendas aos orixás, das religiões de matriz africana, mostrando que nesta praça existe um importante significado dentro da tradição afro religiosa da cidade, e uma forma da comunidade negra ressignificar uma memória que remete a um período de sofrimento, para um lugar para catalisar as forças dos orixás.
Referências
LIMA, Andrea da Gama. O Legado da Escravidão na Formação do Patrimônio Cultural Jaguarense (1802 – 1888). Pelotas: UFPel, 2010. (Dissertação de Mestrado.)
FRANCO, Sérgio da Costa. Origens de Jaguarão (1790-1833). Porto Alegre: Evangraf, 2007.
MARTINS, Roberto Duarte. A ocupação do espaço na fronteira Brasil - Uruguay: a construção da cidade de Jaguarão. Universitat Politècnica de Catalunya. Escola Técnica Superior D’Arquitetura, 2001.